O que considerar para a aplicação das sanções administrativas e como se defender da penalidade aplicada:
Os gestores públicos e os operadores do Direito Administrativo – notadamente de licitações e contratos – e as empresas licitantes sabem o quanto, na prática, pode ser problemática a aplicação das sanções administrativas. Para aqueles, há dificuldade em avaliar, sopesar e decidir a penalidade administrativa adequada para o descumprimento contratual no caso concreto e, para os fornecedores, por melhor que sejam elaborados o edital e o contrato administrativo, pairam incertezas acerca, notadamente, da quantificação e extensão das sanções.
Tudo isso se deve, em especial, porque a Lei nº 8.666/93 não define qual sanção deverá ser aplicada para cada conduta inadimplente do contratado, ficando a critério do poder discricionário da Administração Pública a aplicação no caso concreto.
É claro que o artigo 87 da Lei nº 8.666/93 apresenta um rol de penalidades que poderão ser aplicadas pela Administração Pública e que, apesar do poder discricionário conferido à Administração para, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decidir qual das penalidades aplicará diante de um inadimplemento contratual, tal prerrogativa não a autoriza a agir de forma arbitrária, isto é, sem observar os princípios constitucionais estabelecidos no artigo 5º e no caput do artigo 37, bem como os princípios administrativos que regem as licitações e os contratos administrativos.
Nesse sentido:
A sanção, ainda que administrativa, não pode, em hipótese alguma, ultrapassar em espécie ou quantidade o limite da culpabilidade do autor do fato. A afronta ou a não observância do princípio da proporcionalidade da pena no procedimento administrativo implica em desvio de finalidade do agente público, tornando a sanção aplicada ilegal e sujeita a revisão do Poder Judiciário’ (STJ – RMS 13.617/MG, 2ª T., rel Min. Laurita Vaz, julgado em 12.03.2002).
E tudo isso ganha ainda mais relevancia hodiernamente, na medida em que, cada vez mais, os contratos vem deixando de ser impreterivelmente absolutos, até porque nem sempre a intervenção unilateral sobre o contrato administrativo será a melhor solução para os interesses públicos perseguidos pela Administração, o que não significa necessariamente que o particular deva ser poupado de eventuais penalidades administrativas, quando for o caso, mas deverá ser sancionado apenas no limite correto.
O poder discricionário conferido à Administração para, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decidir qual das penalidades aplicará diante de um inadimplemento contratual não a autoriza, também, a aplicar a penalidade de multa, de maneira arbitrária, sem observar a proporcionalidade entre a sanção e a ilicitude praticada, a noção de adimplemento substancial e a própria gravidade e consequências do descumprimento do contrato.
Portanto, é imperiosa a proporcionalidade entre a multa e a ilicitude praticada. Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do Mandado de Segurança MS 7.311/DF e do REsp 914.087?RJ, de cujos acórdãos extrai-se o seguinte:
Mandado de Segurança. Declaração de inidoneidade. Descumprimento do Contrato Administrativo. Culpa da empresa contratada. Impossibilidade de aplicação de pena mais grave a comportamento que não é o mais grave. (…). Não é lícito ao Poder Público, diante da imprecisão da lei, aplicar os incisos do artigo 87 sem qualquer critério. Como se pode observar pela leitura do dispositivo, há uma gradação entre as sanções. Embora não esteja o administrador sujeito a pena específica, vigora no Direito Administrativo o princípio da proporcionalidade… “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 87 DA lei 8.666/93. 1. Acolhimento, em sede de recurso especial, do acórdão de segundo grau assim ementado (fl. 186): DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INADIMPLEMENTO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 87, LEI 8.666/93. MANDADO DE SEGURANÇA. RAZOABILIDADE. (…) 2. O art. 87, da lei 8.666/93, não estabelece critérios claros e objetivos acerca das sanções decorrentes do descumprimento do contrato, mas por óbvio existe uma gradação acerca das penalidades previstas nos quatro incisos do dispositivo legal. 3. Na contemporaneidade, os valores e princípios constitucionais relacionados à igualdade substancial, justiça social e solidariedade, fundamentam mudanças de paradigmas antigos em matéria de contrato, inclusive no campo do contrato administrativo que, desse modo, sem perder suas características e atributos do período anterior, passa a ser informado pela noção de boa-fé objetiva, transparência e razoabilidade no campo pré-contratual, durante o contrato e pós-contratual. 4. Assim deve ser analisada a questão referente à possível penalidade aplicada ao contratado pela Administração Pública, e desse modo, o art. 87, da lei 8.666/93, somente pode ser interpretado com base na razoabilidade, adotando, entre outros critérios, a própria gravidade do descumprimento do contrato, a noção de adimplemento substancial, e a proporcionalidade. (…)” 6. Recurso Especial não provido, confirmando-se o acórdão que afastou a pena de suspensão temporária de participação em licitação e impedimentos de contratar com o Ministério (…), pelo prazo de 6 (seis) meses. (REsp 914.087/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2007, DJ 29/10/2007, p. 190).
Isto é, tendo a multa sancionatória, também a natureza compensatória, uma vez que tem por finalidade compensar a outra parte pelo dano que lhe é causado pela inadimplência ou infração do contrato, deve a Administração, quando da aplicação da penalidade, observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, entre outros, o simples descumprimento contratual que não resulta em dano não pode, por si só, ensejar na aplicação de uma penalidade exacerbada à Contratada.
Outrossim, doutrinariamente é pacífico o entendimento de que as sanções administrativas assemelham-se com às de natureza penal, devendo ser aplicadas em consonância com os princípios presentes no processo penal, como exemplo, o da legalidade, o da proporcionalidade da pena, o do devido processo legal e, inclusive, o da culpabilidade, senão vejamos:
“Por isso, os princípios fundamentais de Direito Penal vêm sendo aplicados no âmbito do direito Administrativo repressivo, com a perspectiva de eventuais atenuações necessárias em função do ilícito no domínio da atividade administrativa” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 15ª edição).
Segundo o princípio da culpabilidade, ninguém poderá ser punido em virtude da mera ocorrência de um fato indesejado, haja vista que é imprescindível que o particular contratado tenha agido de maneira reprovável, com dolo ou culpa.
A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), em seu art. 156, §1º, trouxe um rol a ser considerado quando da aplicação da sanção ao acusado, conforme exposto a seguir:
Art. 156 […]
§ 1º Na aplicação das sanções serão considerados:
I – a natureza e a gravidade da infração cometida;
II – as peculiaridades do caso concreto;
III – as circunstâncias agravantes ou atenuantes;
IV – os danos que dela provierem para a Administração Pública;
V – a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.
Nesse ponto, acrescenta-se a alusão de Marçal Justem Filho: “o elenco do §1º destina-se a assegurar que a sanção concretamente imposta seja proporcional às circunstâncias da realidade e às peculiaridades do elemento subjetivo do infrator.”
Mas isto não é só, porque em face de tais considerações, da difícil realidade dos gestores públicos quando da aplicação das sanções administrativas e das incertezas que pairam sobre os licitantes, a referida Lei nº 14.133/2021 inovou e trouxe também, nos §§ do artigo 156, em quais hipóteses as penalidades devem ser aplicadas, vejamos:
Art. 156. (…)
§ 2º A sanção prevista no inciso I do caput deste artigo será aplicada exclusivamente pela infração administrativa prevista no inciso I do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave.
§ 3º A sanção prevista no inciso II do caput deste artigo, calculada na forma do edital ou do contrato, não poderá ser inferior a 0,5% (cinco décimos por cento) nem superior a 30% (trinta por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta e será aplicada ao responsável por qualquer das infrações administrativas previstas no art. 155 desta Lei.
§ 4º A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.
§ 5º A sanção prevista no inciso IV do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos VIII, IX, X, XI e XII do caput do art. 155 desta Lei, bem como pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do referido artigo que justifiquem a imposição de penalidade mais grave que a sanção referida no § 4º deste artigo, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos.
§ 6º A sanção estabelecida no inciso IV do caput deste artigo será precedida de análise jurídica e observará as seguintes regras:
I – quando aplicada por órgão do Poder Executivo, será de competência exclusiva de ministro de Estado, de secretário estadual ou de secretário municipal e, quando aplicada por autarquia ou fundação, será de competência exclusiva da autoridade máxima da entidade;
II – quando aplicada por órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública no desempenho da função administrativa, será de competência exclusiva de autoridade de nível hierárquico equivalente às autoridades referidas no inciso I deste parágrafo, na forma de regulamento.
§ 7º As sanções previstas nos incisos I, III e IV do caput deste artigo poderão ser aplicadas cumulativamente com a prevista no inciso II do caput deste artigo.
§ 8º Se a multa aplicada e as indenizações cabíveis forem superiores ao valor de pagamento eventualmente devido pela Administração ao contratado, além da perda desse valor, a diferença será descontada da garantia prestada ou será cobrada judicialmente.
§ 9º A aplicação das sanções previstas no caput deste artigo não exclui, em hipótese alguma, a obrigação de reparação integral do dano causado à Administração Pública.
Sabe-se que é vedada a aplicação combinada da Lei nº 8.666/93 com a Lei nº 14.133/2021, bem como que a Medida Provisória n° 1.167 de 31 de março de 2023 prorrogou o prazo para a adequação à nova Lei de Licitações, não obstante o exposto, muitos questionamentos e dificuldades podem ser resolvidos no caso concreto, por meio desses critérios, assim como defesas podem ser apresentadas com supedâneo nessas questões.