Coronavírus e suas consequências em relação aos contratos administrativos:
Contrato administrativo pode ser resumidamente conceituado como o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo Direito Público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público.
Os contratos administrativos devem sempre ser firmados por prazo determinado, em razão da vedação do §3º, do art. 57, da Lei nº 8666/93.
Esta exigência encontra justificativa no fato de que o prazo de execução é um dos fatores que influenciam no preço proposto pelos contratados para a prestação de um serviço, execução de uma obra pública e, ainda, fornecimento de um bem.
No entanto, em situações de emergência ou relevante interesse público, ou ainda, quando for comprovadamente mais vantajoso ao interesse público, o prazo pode ser alterado, unilateralmente pela Administração ou amigavelmente pelas partes, enquanto aquelas situações perdurarem e, desde que, no caso da vantajosidade pública, sejam observadas as exigências e os limites temporais fixados em lei.
A superioridade da Administração frente ao particular é que confere a ela, entre outras, a prerrogativa de modificar unilateralmente os contratos administrativos, para melhor adequação às finalidades de interesse público, bem como rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei. Contudo, essas prerrogativas não eximem a Administração de fundamentar suas decisões, observar o contraditório e respeitar os direitos dos contratados.
Como dito alhures, os contratos administrativos podem ser alterados unilateralmente pela Administração, mas também suportam modificações por acordo das partes.
Entre outras hipóteses, as que nos interessam nesse momento de pandemia pelo coronavírus, são: a modificação unilateral do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto e as modificações por acordo entre as partes do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários e para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Em que pese a Administração poder se valer da prerrogativa de supressão no caso de compras, serviços e obras, há situações em que se sujeitará a um duplo ônus, a saber, o de reembolsar o contratado pelos custos já dispendidos, com a devida atualização monetária, e, também, o de indenizá-lo por outros danos decorrentes da supressão. Vale destacar, contudo, que o ônus do prejuízo recai sobre o contratado.
Já com relação a extinção dos contratos administrativos, cabe ressalvar que, seja normal ou anormal, deve permitir e garantir ao contratado o contraditório e a ampla defesa, porque ele, em regra, tem interesse na manutenção do contrato.
Nesse sentido, a extinção normal (ou ordinária ou comum) é a regra. Ela ocorre quando a causa extintiva decorrer de elementos previstos no próprio contrato. Logo, o contrato pode ser extinto ordinariamente pelo cumprimento do objeto (ex: pela prestação do serviço ou pelo fornecimento de mão-de-obra) ou pelo exaurimento do prazo (ex: pelo atingimento do termo ou da condição ou, ainda, pelo esgotamento do prazo).
A extinção anormal é exceção e consiste noencerramento antecipado do contrato, em função de fatores externos ou estranhos ao contrato.
Havendo a extinção antecipada do contrato, é necessário verificar quais as hipóteses em que deve haver indenização e ressarcimento ao contratado.
Em regra, os riscos ordinários (previsíveis e que não geram um impacto significativo sobre o objeto contratual) são assumidos pelo contratado. Por sua vez, os riscos anormais (ou extraordinários), via de regra, não são suportados pelo contratado, o que será melhor explicado abaixo.
A rescisão do contrato poderá ocorrer:
I – por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo 78 da Lei nº 8.666/93;
II – amigavelmente, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração;
III – por decisão judicial, nos termos da legislação.
Existem diversas hipóteses legais de rescisão, mas, nesse momento de pandemia pelo coronavírus, entendemos interessante abordar apenas algumas situações de rescisão extraordinária.
São elas:
XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;
Exemplo: cancelamento de shows contratados por um determinado município em comemoração ao aniversário da cidade, porque não podem realizar eventos com aglomerados de pessoas.
XIII – a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no § 1o do art. 65 desta Lei;
Exemplo: supressão de itens de alimentação escolar, uma vez que as aulas estão suspensas em razão da pandemia.
XIV – a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;
Exemplo: suspensão de dias de limpeza escolar, uma vez que as aulas estão suspensas em razão da pandemia.
XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;
XVI – a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;
Exemplo: a não liberação de espaços públicos para a realização de feiras/exposições, em razão da proibição de eventos com aglomerado de pessoas;
XVII – a ocorrência de caso fortuito (caso fortuito é um evento humano, imprevisível ou previsível com conseqüências importantes, geradas sobre o objeto contratual, ensejando a rescisão ou recomposição contratuais) ou de força maior (força maior é um evento imprevisível ou previsível com conseqüências inesperadas que gerem efeitos importantes sobre a execução contratual), regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.
Segundo o § 2o, do artigo 79, quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a:
I – devolução de garantia;
II – pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão;
III – pagamento do custo da desmobilização.
A mobilização é a preparação do contratado para poder cumprir o contrato, contratar novos empregados, adquirir novas máquinas e locar equipamentos ou imóveis.
Nas extinções ordinárias, os custos de mobilização são de inteira responsabilidade do contratado, cabendo a ele suportá-los, pois, em tese, integraram a proposta do contratado que foi declarada como vencedora constituindo o preço do contrato.
Por sua vez, nas extinções extraordinárias, é necessário ressarcir ao contratado os custos que ele teve para desfazer estes compromissos preparatórios, no valor proporcional ao tempo restante de contrato que não será mais explorado pelo contratado.
Em suma, uma vez rescindido o contrato com base em uma dessas proposições, mesmo em casos em que a rescisão do contrato seja medida de conveniência administrativa, surge para o Estado a responsabilidade objetiva de indenizar o contratado, não cabendo juízo discricionário no que toca à indenização, mas apenas e tão somente na análise da conveniência acerca da manutenção, ou não, do pactuado. Não obstante, haverá a necessidade de comprovar a inexistência de culpa do contratado e, ainda, demonstrar os prejuízos suportados por ele.