Prioridade de contratação para as MEs e EPPs sediadas local ou regionalmente
No texto anterior foram apresentadas, em apertada síntese, as hipóteses legais previstas em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte, que participam de licitações públicas. Naquela oportunidade anotou-se que a expressão “local e regionalmente”, ora tida como um dos benefícios, ora como uma das hipóteses excepcionais à concessão do benefício às microempresas e às empresas de pequeno porte, demanda interpretação por parte do gestor público, com base nos critérios de conveniência e oportunidade, o que será analisado neste momento.
Pois bem, conforme o parágrafo 3odo artigo 48 da Lei Complementar nº123/2006, a concessão de prioridade de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente somente poderá ser aplicada nas hipóteses dos incisos I, II e III do sobredito artigo; todavia, o benefício em questão poderá ser aplicado no bojo de qualquer um destes benefícios, funcionando, assim, como um plus[1].
Observem os referidos dispositivos:
Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:
I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
II – poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte;
III – deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.
(…)
§ 3o Os benefícios referidos no caput deste artigo poderão, justificadamente, estabelecer a prioridade de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido.
Ademais, referida previsão trata-se de uma faculdade do Administrador, e não de uma obrigação, uma vez que o legislador utilizou a expressão “poderá”, tudo isto porque a regra é conferir tratamento igualitário às licitantes, sendo, excepcionalmente admitida a adoção deste instrumento com vistas a realizar os objetivos da política pública de fomento às pequenas empresas.
Deste modo, não se revelando medida conveniente e oportuna para a promoção dos desenvolvimentos econômico e social nos âmbitos municipal e regional, não deve ser aplicada essa prioridade, sob pena de afrontar o constante no artigo 3º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/93[2].
Neste cenário, a Administração Pública deve justificar[3] a adoção deste instrumento, bem como demostrar a correlação entre o objeto licitado, a área geográfica delimitada e o tratamento diferenciado e simplificado às MEs e EPPs. Mas isto não é só, porque, salvo melhor juízo, o alcance desta regra depende de regulamentação, isto é, o município deve editar legislação específica do ente promotor do certame delimitando a área e, ainda, deve demonstrar a existência de pelo menos três MEs e EPPs no âmbito regional ou local aptas a atender o objeto predefinido[4], sob pena da incidência do artigo 49, inciso II.
Portanto, em vista do silêncio legislativo, há que se adotar critério razoável e compatível com a finalidade legal para definir o conceito dos termos “local” e “regionalmente”, empregados pela Lei Complementar nº 123/06, não só no §3º do artigo 48, mas também no inciso II, do artigo 49[5].
Como exposto acima, o Egrégio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo entende que os municípios devem editar legislação específica com a delimitação geográfica local ou regional.
Não obstante, definir de modo preciso um conceito baseado em critério geográfico rígido e fechado, para delimitar o alcance destas expressões, pode não ser a melhor solução, haja vista que este critério provavelmente não seria compatível com todas as possíveis situações fáticas em que viesse a ser aplicado[6].
Neste cenário, talvez a melhor maneira de resolver esta questão seria atribuir ao gestor público a obrigatoriedade de adotar um critério adequado no caso concreto, considerando em vista da finalidade e da sistemática legais[7].
A questão envolvendo a definição de um critério para os rótulos “local” e “regionalmente” não é das mais simples, pode-se, contudo, atribuir-se ao termo “local” o alcance da base territorial do município no qual se promove o processo de licitação e, ao termo “regionalmente”, uma base territorial mais ampla do que o município em que se processa a licitação. Neste cenário, seria razoável compreender esta expressão como uma área composta por mais de um município, na qual se verifique a habitual atuação profissional, comercial ou empresarial dos possíveis fornecedores ou prestadores de serviço enquadrados na condição de microempresas e empresas de pequeno porte, a exemplo das regiões metropolitanas ou, ainda, daqueles casos em que duas ou mais cidades estão ligadas formando um “único mercado regional”[8].
Por fim, a expressão “melhor preço válido” da parte final
do § 3º, do artigo 48, deve ser entendida como a melhor proposta válida
apresentada, que, ademais, esteja dentro da média de mercado e, ainda, seja exequível, em atenção aos artigos 43, inciso IV e 48, inciso II
da Lei de Licitações.
[1] BOTTESI, Claudine Correa Leite. O fortalecimento do tratamento diferenciado dispensado às microempresas e às empresas de pequeno porte nas compras públicas. p.27-28.
[2] Microempresas e empresas de pequeno porte – Concessão de prioridade para as sediadas local ou regionalmente – Faculdade. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 267, p. 518, mai. 2016, seção Perguntas e Respostas.
[3] CERÁVOLO, Marcus A. G; OLIVEIRA, Rodrigo C. da C.ME/EPP: OS DESAFIOS NA APLICAÇÃO DA LC 147/14. Os ‘benefícios’ do artigo 48.p.2.
[4] BOTTESI, Claudine Correa Leite. O fortalecimento do tratamento diferenciado dispensado às microempresas e às empresas de pequeno porte nas compras públicas. p.26-27 apud TCE-SP, TC18508/026/13, Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo.
[5] Microempresas e empresas de pequeno porte – Licitação – Tratamento favorecido e diferenciado – Art. 49 da LC nº 123/06 – Expressão “regionalmente” – Conceito. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 252, p. 191, fev. 2015, seção Perguntas e Respostas.
[6] Microempresas e empresas de pequeno porte – Licitação – Tratamento favorecido e diferenciado – Art. 49 da LC nº 123/06 – Expressão “regionalmente” – Conceito. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 252, p. 191, fev. 2015, seção Perguntas e Respostas.
[7] Microempresas e empresas de pequeno porte – Licitação – Tratamento favorecido e diferenciado – Art. 49 da LC nº 123/06 – Expressão “regionalmente” – Conceito. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 252, p. 191, fev. 2015, seção Perguntas e Respostas.
[8] Microempresas e empresas de pequeno porte – Licitação – Tratamento favorecido e diferenciado – Art. 49 da LC nº 123/06 – Expressão “regionalmente” – Conceito. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 252, p. 191, fev. 2015, seção Perguntas e Respostas.